segunda-feira, 23 de maio de 2011

Meu desabafo


Um dia, por acreditar que podemos nos colocar a serviço, que não que a gente aponte as necessidades, mas que é preciso que cada um de nós faça a nossa parte, ousamos começar com o Projeto Soletrando. Neste dia então, mesmo que levando a frente a idéia de um grupo, eu, Juliana e Jussara saímos à rua em busca de possibilidades para colocarmos em prática aquilo que acreditávamos ser possível.

Ouvimos muitas coisas desagradáveis, compramos muita briga, muitas portas se fecharam para nós. Saímos pela rua, com certeza, como três loucas, pedindo cadernos, canetas, lápis, espaço no jornal, na rádio, e fomos levando a nossa idéia adiante. Numa tarde de maio, passamos a tarde toda caminhando, a pé, pela cidade em busca de apoio. Não foi fácil, mas em nós existia uma coisa chamada “companheirismo, lealdade e confiança”... Sentimentos estes, que, infelizmente, nem sempre são presentes no nosso projeto. Hoje, devo dizer que sinto uma enorme falta das aulas na garagem do seu Pedro, de quando éramos “pequenos”, de quando não despertávamos inveja, apenas piedade por nossa loucura. Naquela época sim éramos felizes, não devíamos satisfação a ninguém e tão pouco precisávamos de um governo, de uma administração, dependíamos apenas da nossa vontade e do nosso esforço. Empurramos o fusca branco algumas noites frias, atravessávamos a cidade para ir dar aula, fazíamos “vaquinha” para abastecer o carro, comprar materiais, mas ali sim colocávamos em prática o nosso sonho e construíamos o que hoje é O SOLETRANDO, que todos querem.

Não me considero dona do Projeto, mas sei da importância que nós três tivemos para que esse Projeto acontecesse e se tornasse o que é hoje. A cara a tapa, o risco, fomos nós três que corremos. Ninguém mais arriscou tanto pelo Soletrando do que nós. Cada palavra, cada ação, cada fato acontecido, foi planejado e teve um pouquinho da vida de cada uma de nós. Claro que muitas outras pessoas se somaram e se somam. Não desmereço de forma alguma a participação de ninguém, mas tenho sentido uma angústia tão grande em ver algumas coisas que acontecem...

Hoje alcançamos um patamar que não planejamos alcançar. Começamos com uma turma, com nove educandos, com um espírito de cumplicidade, gratuidade e doação, que não tenho, infelizmente, sentido atualmente no Projeto. E isso me assusta, apavora eu diria. Porque quando começamos com o Projeto fizemos por acreditar que todas as pessoas têm o direito à educação e que nós, “intelectuais privilegiados” temos por obrigação dividir o conhecimento com os demais, não por bondade, de forma alguma, mas por dever de cidadão e acima de tudo, de SER HUMANO.

Para mim o Soletrando não é sinônimo de uma “bolsa” e sim de um sonho, que três amigas malucas acreditaram que podia dar certo e que acima de tudo, elas provaram que estavam certas. E isso, não há dinheiro no mundo que pague, a sensação de saber que fizemos alguma coisa boa de verdade, sem a pretensão do reconhecimento ou do agradecimento de ninguém, sem a pretensão de retorno financeiro, mas sim de fazer a nossa parte, a parte que cada um deveria fazer para a construção de uma sociedade melhor. Infelizmente nem todas as pessoas pensam desta forma, não posso culpá-las, nem tão pouco extravasar a elas o que eu sinto, mas deixo aqui, nestas poucas linhas, através do dom que Deus me deu, que é o da escrita, esse desabafo da minha angústia, porque tenho de alguma forma extravasar a decepção que estou sentindo, a revolta e até mesmo a dor eu diria.

Muitas brigas compramos pelo Soletrando e comprarei todas as que forem necessárias. Lutarei enquanto tiver forças para que o Projeto seja valorizado como ele merece e também aquelas pessoas que realmente estão comprometidas com ele sejam respeitadas, que sejam tratadas com dignidade e que tenham seu trabalho valorizado, porque foi com esse objetivo que saímos às ruas cinco anos atrás. O que eu, Juliana e Jussara sonhamos um dia já se realizou, já foi muito além do que ousamos sonhar, cada pedra que nos foi atirada, cada injúria que sofremos, cada crítica que nos foi feita, cada palavra ingrata, cada lágrima chorada valeu a pena quando lembro da alegria da dona Nair quando conseguiu ler as preces na missa; quando a Teca descobriu que escrevia o nome errado, quando uma das educadoras vem e diz que seu aluno despertou para leitura, quando um deles nos diz que o Soletrando mudou a sua vida... Cada fato desses me faz crer que o nosso sonho não foi em vão e que todos os dias desses últimos cinco anos tiveram um sentido, uma razão. Agradeço a Deus pela força que nos deu, agradeço a Juliana e a Jussara pelo companheirismo e lealdade com que iniciamos e permanecemos nessa caminhada, agradeço a cada uma das educadoras que de verdade estão conosco, comprometidas e acima de tudo agradeço a cada um dos nossos alunos que freqüentam nossas aulas porque acreditaram no nosso sonho.

Por mais que às vezes eu me questione ainda acredito no que um dia escrevi: “Não basta apontar as necessidades, é preciso colocar-se a serviço”, e em nome de todos aqueles que confiaram nas três loucas, busco forças para continuar, enxugo as lágrimas que caem e encaro as dificuldades de cabeça erguida, embora a decepção com algumas coisas e pessoas me assuste.

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